Cacá Diegues tem sido guerreiro na abordagem da questão racial no cinema brasileiro. Mas, nem Cacá trata o racismo como Tadeu Jungle em seu longa de estreia.O racismo subjacente está arraigado em Amanhã Nunca Mais. Faz parte do universo do filme e do personagem interpretado por Lázaro Ramos, Walter. "Mas esse não é o tema do filme", observa o próprio Lázaro, e é verdade. O tema de "Amanhã Nunca Mais" é.. Justamente, o filme é tão rico em temas que o espectador precisa estar alerta na comédia de tensão de Jungle."Comédia de tensão, mas não escrachada", é como Lázaro Ramos define o filme que estreou ontem. A própria história já carrega algo dessa riqueza - o filme é sobre um homem que retoma o controle da própria vida.
Foi o momento impagável da cerimônia de premiação do Festival do Rio, no mês passado. Maria Luiza Mendonça ganhou o Redentor de melhor atriz coadjuvante. Estava em São Paulo. Lázaro ligou para ela. Quando chegou ao microfone, Maria Luiza atendeu. "Põe no viva-voz", aplateia pediu. Ele anunciou a premiação, ela achou que fosse trote. Iniciaram um diálogo absurdo, que parecia fazer parte do script de "Amanhã Nunca Mais".
"Nunca imaginei que fosse ganhar. Para mim, era tranquilo que Lázaro seria o vencedor", diz Maria Luiza numa entrevista realizada num hotel da Avenida Faria Lima. O próprio Lázaro parece fazer gênero ao dizer que nem se lembrava que havia feito o filme. "Faz tanto tempo..." Novelas, livro infantil (A Velha Sentada), peça de teatro, o programa Espelho no Canal Brasil. Lázaro tem se dividido em múltiplas atividades desde Saneamento Básico. O filme de Jorge Furtado, de 2007, havia sido o últimoque interpretou. Ele confessa que se surpreendeu com o filme de Tadeu Jungle. Amanhã Nunca Mais tem um lado Depois de Horas, mas não chega a ser um clone do filme cultuado de Martin Scorsese.
Ambos criam essa espécie de pesadelo acordado, uma sucessão de cenas e situações que levam Walter, o personagem, de roldão, ameaçando sufocá-lo,como uma bola de neve. "Walter é um personagem que me parece muito contemporâneo. É um homem absorvido pelo trabalho, sem tempo para si, para a família. Eu acho que sua força é a resignação", arrisca o ator, mas a reviravolta do filme vem justamente quandoWalter desiste de ser uma marionete dos outros (a mulher, o colega, o superior, etc.) para se tornar protagonista da própria história.
Walter é anestesista e, para fazer o papel, Lázaro teve, como parte de sua pesquisa, de assistir a umas 15 cirurgias. Ele admite que foi legal conhecer, de dentro, o universo dos médicos, mas promete nunca mais repetir a experiência. Não se lembra, sinceramente, de que a rodagem tenha sido exaustiva, mas concorda que um dos grandes méritos de Amanhã Nunca Mais é a forma como o diretor consegue expressar na tela o sufoco da vida na maior metrópole do País. "O Tadeu foi na veia", observa
Ao contrário de Walter, Lázaro faz questão de ter tempo para a mulher, o filho, para ele mesmo. Como bom baiano, cultiva o ócio, sem prejuízo das 1.001 atividades. "É tudo uma questão de disciplina. Tenho minhas horas de trabalho e as de folga." E ele tem se exercitado na direção - a de teatro, com "Namíbia, não!", a do programa de TV. A peça é sobre os últimos dois negros do Brasil, que o governo quer devolver à África, mas eles resistem. Lázaro se aproximou do tema com a mesma curiosidade que tem sido uma constante de sua carreira, desde os tempos do Olodum. A regra é sempre investigar, ousar, tentar. O filme de Tadeu Jungle foi feito dentro desse espírito. "O Walter, no fundo, só quer levar o bolo para a filha. A gente acompanha sua transformação numa única noite. Foi muito bacana. Fazer o cara comum me fascina."
Cena do filme Amanhã Nunca Mais (divulgação)
Serviço:
Amanhã Nunca Mais
Direção: Tadeu Jungle.
Direção: Tadeu Jungle.
Gênero: Comédia (Brasil/2011, 78 minutos)
Censura: 12 anos
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