Caros internautas, um amigo jornalista fez um belo texto em homenagem a Amy Winehouse que deixou milhares de fãs por todo o Mundo.
Vai a artista Amy, fica o mito Amy
*Sérgio Renato
Se nada mais de importante acontecer na música em 2011, o ano já tem um motivo bem triste, mas também muito significativo, para ser lembrado para sempre. Essas nervosas linhas foram escritas ainda no calor da notícia, enquanto inúmeros canais de TV e redes sociais repercutem e, claro, lamentam a morte de Amy Winehouse, que quase surpreendeu o mundo neste 23 de julho.
O termo “quase” é proposital: Já era esperado que esta inglesa, considerada a melhor cantora no cenário pop mundial neste início de século, poderia aparecer morta a qualquer momento. Isso em razão de todo o seu curto mas pesado retrospecto de envolvimento com as drogas e o álcool, tão impactante quanto o trabalho dela – suas confusões sempre serão lembradas, da mesma forma que seu extraordinário segundo álbum, Back to Black (lançado em 2006), já vinha sendo apontado com o primeiro grande clássico do milênio.
A coincidência trágica da partida de Amy reside na repetição de um forte estigma que atinge, vez pro outra, esse seletíssimo grupo de artistas considerados “geniais”, “fora de série” ou a quem se aplique qualquer outro termo que lhes confira um diferencial: uma combinação quase sempre explosiva de talento muito acima da média (e, com ele, a natural pressão do mercado pelo sucesso), uma vida particular conturbada e uma perigosa relação de intimidade com as drogas, lícitas ou não.
Os exemplos não faltam, são mais antigos do que se pensa e, o que é mais impressionante, os desfechos se deram quando as vítimas contavam 27 anos de idade, assim como Amy. Antes mesmo do desbunde psicodélico e do culto às drogas iniciado nos rebeldes anos 1960, o então distante delta do rio Mississipi tinha testemunhado, em 1938, o envenenamento do grande bluesman Robert Johnson, provavalmente causado por algum marido traído – seu esporte predileto era atacar a mulherada sem considerar o estado civil.
Anos mais tarde, a fila andou rápido com o Rolling Stone Brian Jones (em julho de 1969), Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison (os três em menos de um ano, entre 1970 e 71). Desses, um zoom no tempo leva a Kurt Cobain, do Nirvana, que baleou a própria cabeça em 1994 motivado pelo seu vício em heroína. Outro ponto comum ao perfil de todos eles – com excessão de Robert Johnson, só conhecido depois de morto – é o tempo de imagem pública de cada um, nunca superior a cinco anos.
Com Amy Winehouse foi a mesma coisa. Seu álbum de estréia (Frank, de 2003) havia ido bem na mídia inglesa, mas foi com o estouro de Back to Black que o mundo todo tomou conhecimento da figura (aliás, figuraça) da cantora. Neste últimos anos, ela se tornou amada por parecer uma reencarnação vocal de divas como Ella Fitzgerald e Billie Holiday. Como se não bastasse, seu visual extravagante (risca de lápis no canto dos olhos e um cabelo tipo “bolo de noiva” desgrenhado) passou a ser imitado pelas fãs ao redor do globo.
No entanto, como é de praxe acontecer nessas ocasiões, será o lado junkie de Amy o mais debatido nas rodas de conversa e retratado em documentários, reportagens e futuros filmes biográficos (alguém aí duvida que sua trajetória rende uma película que pode bombar na tela grande?). O fato é que está surgindo um novo mito diante dos nossos olhos, talvez o primeiro da era digital, o que contrasta com a circunstância de sua morte, a mesma que predominou entre seus iguais no século passado.
Exatamente por isso, Amy Winehouse talvez achasse demodè todas as recomendações que ouvia sobre seu uso e abuso de drogas. Provavelmente ela não acreditava que, em pleno século 21, alguém ainda pudesse sucumbir a esse tipo de armadilha. Amy refletiu essa postura na vida e na obra. Basta conferir o refrão de seu maior sucesso, “Rehab”, onde fica clara a sua opção entre o risco e a segurança. Seu nome e sua morte já são história, sua influência (só a artística, esperamos) logo vai virar.
*Sérgio Renato é jornalista